quinta-feira, 4 de novembro de 2010

PASMADO: UM POVOADO ESQUECIDO


Pasmado é uma velha povoação, outr’ora aldeia de índios, duas léguas ao norte de Iguarassu, na estrada de Goiana. É célebre por seus ferreiros, ou mais especialmente, pelas facas de ponta que estes fabricam, as quais passam pelas melhores de Pernambuco, onde têm estendida e tradicional nomeada.

Franklin Távora in: O matuto, 1902.


Ao pesquisar alguns mapas antigos de Pernambuco obtidos através do Arquivo Virtual de Cartografia Urbana Portuguesa, reunidos graças aos esforços do Professor Manuel Teixeira e sua equipe, deparei-me com um mapa intitulado “Estrada do Norte”, datado de 1876 e que, dividido, aparentemente em três partes (apenas duas estão disponíveis) mostrava a cidade de Olinda, a vila de Igarassu e todos os povoados e engenhos até a cidade de Goiana, traçado hoje mais ou menos seguido pela PE-15 e BR-101 norte. O que chamou atenção no mapa, foram as plantas de Olinda e Igarassu e dos povoados, em especial um, Pasmado, que durante os séculos XVIII e XIX parecia que iria se tornar um núcleo urbano de grande importância em Pernambuco, mas como tantos outros, sucumbiu a uma série de eventos nefastos ainda mal explicados e que envolvem a história social e urbana do nosso país.



O povoado de Pasmado teria surgido no início do século XVIII e, provavelmente a sua mais antiga referência seja encontrada na Nobiliarquia Pernambucana de Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca de 1748, onde se lê sobre um João César Falcão que “morava no Pasmado, onde morreu, há poucos anos em idade muito avultada”. Pereira da Costa, sem nenhuma indicação confiável, diz ter Pasmado se originado de uma aldeia indígena. O certo é que o povoado se encontrava à margem da estrada que demandava à então vila de Goiana. Em 1810, foi visitado por Henry Koster que a descreveu como tendo uma forma quadrada com uma grande praça onde se destacava a igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem. O viajante inglês também salientou a principal atividade produtiva do lugar: a produção de excelentes facas de ponta, conhecidas como “pasmados”, tal a fama e qualidade das peças. Em seu romance O matuto, Franklin Távora compara Pasmado a uma filial dos domínios de Vulcano tal a quantidade de forjas que havia no local. Exageros à parte, a verdade é que as facas, extremamente famosas outrora, parecem ter desaparecido por completo nos dias de hoje, tal qual o lugar que lhes deu origem.


Ao longo do século XIX, as fontes disponíveis: Pereira da Costa, Costa Honorato e Fernandes da Gama dão conta dos altos e baixos do povoado até sua ruína final. É sabido que, em 1817 foi visitada pelo governador Luís do Rego que prometeu elevar Pasmado a freguesia, o que efetivamente o fez. Em 1821 passou a ter uma força policial e, em 1822 uma escola pública de instrução primária. Chegou a ter escolas particulares, feira de gado, sobrados e amplo comércio de facas, brides, fechaduras e tesouras. Sua decadência, no entanto, começaria a partir de 1837 com a extinção da freguesia e a divisão do seu território entre Igarassu, Goiana, Tejucupapo e Tracunhaém. Em 1846 a paróquia foi restaurada com sede em São Gonçalo de Itapissuma, até que foi definitivamente extinta em 1849. Pereira da Costa aponta “desavenças e intrigas com o dono das terras, o senhor do engenho Caga Fogo”, cujo nome não cita, como causas da “supressão da freguesia do Pasmado, seu abandono e decadência”.
O povoado ainda é citado por Costa Honorato em 1863; aparece no tal mapa de 1876, talvez sua única referência cartográfica e no Dicionário Corográfico de Vasconcelos Galvão em 1910. Pasmado desapareceu por completo nos primeiros anos do século XX, restando de pé apenas a capela de Nossa Senhora da Boa Viagem (hoje, monumento estadual tombado pela FUNDARPE), que por falta de uso, abandonada entre a estrada e o canavial, parece estar condenada ao mesmo fim do povoado.







6 comentários:

  1. Poxa que legal! descobrir um pouco mais da nossa história. estava lendo um livro de Manuel Coreia de Andrade que mencionou o povoado de Pasmado e pode aprender um pouco mais por aqui.
    no livro ele fala sobre a Capitania de Itamaracá e citou Pasmado da seguinte forma:

    Na ilha, a Vila da conceição com a matriz de Nossa Senhora, casa da câmara, cadeia e pelourinho, era o principal centro, enquanto à beira mar ficavam duas povoações a de Nossa Senhora do Pilar e a de Nossa Senhora do Ó. Na ilha existiam três engenhos de açúcar e várias salinas cujo o sal era utilizado na salgar de carne e de couros que eram exportados para Recife através de um porto real. A pesca era a atividade econômica expressiva. No continente localizava-se a povoação de Pasmado, que era residencia do padre coadjuntou da Freguesia e tinha como matriz a Igreja de Nossa senhora da Boa Viagem. Pasmado tornou-se famosa por se uma povoação de artífices, nela vivendo ferreiros, latoeiros, sapateiros, marceneiros, carpinteiros, alfaiates e tendeiros, além de várias lojas secos e molhados. As facas fabricadas em Pasmado foram famosas até as primeiras décadas do século XX. (ANDRADE, 1999, p.103)

    ANDRADE, Manoel Correia. Itamaracá, uma Capitania Frustrada. Fundação Joaquim Nabuco: Recife, 1999.

    fonte:

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  2. Bom saber sobre a história do povoado, com sua particularidade, que remetem aos cristãos-novos, por sua especialidade.

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  3. Tomei conhecimento das facas de ponta do Pasmado atravès de um amigo historiador do Recife, li tudo que foi publicado e fiquei interessado em saber se ainda existe alguma oficina de facas e joalheria por lá? Marivaldo(marivaldodesigner@gmail.com)

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  4. Tomei conhecimento das facas de ponta do Pasmado atravès de um amigo historiador do Recife, li tudo que foi publicado e fiquei interessado em saber se ainda existe alguma oficina de facas e joalheria por lá? Marivaldo(marivaldodesigner@gmail.com)

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    1. O povoado sumiu há vários anos. Eu fui morar na Usina São José em 77 e somente haviam poucas casas e a igreja. Em seguida só ficou a igreja cercada pelo canavial. Meu pai conta que a estrada passava na frente da Igreja.

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  5. Olá, muito bom esse relato. Eu sou aqui de Igarassu e moro bem próximo da antiga Pasmado, realmente, a única coisa que restou em pé foi a igreja que fica bem próximo da rodovia. Muito bom conhecer um pouco dessa história.

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